Parte I – Contexto histórico-conceitual e diretrizes do projeto UFPE Futuro Parte I – Contexto histórico-conceitual e diretrizes do projeto UFPE Futuro
Um pouco de história para entender o modelo tradicional da universidade brasileira
O mundo atualmente está bem mais complexo, interconectado e muda mais rapidamente do que no momento em que a Universidade do Recife foi criada em 1946. A exemplo de tantas universidades em suas origens, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) então se voltava fundamentalmente para a formação profissional de uma fração reduzida da sociedade local. Nestes momentos iniciais, que ocorre mais de uma década depois das primeiras iniciativas de criação de universidades no Brasil, embora seja pioneira no Nordeste e Norte do país, eram parcos os esforços de produção endógena de conhecimento.
A tardia industrialização brasileira baseada na importação de pacotes tecnológicos como parte da substituição de importações para consumo no mercado interno, portanto pouco exposta a padrões concorrenciais mais competitivos, comprimiu a demanda dos agentes econômicos por conhecimento e inovação.
Não surpreende a emergência também tardia da universidade brasileira, assim como sua orientação para a formação de profissionais que são treinados para reproduzir conhecimentos desenvolvidos em outras realidades, especialmente aquelas conhecidas como o centro dinâmico do desenvolvimento científico e tecnológico (especialmente, Estados Unidos e alguns países europeus).
A industrialização tardia estimula, também tardiamente, a criação das primeiras universidades no Brasil apenas em meados do século XX, após a iniciativa isoladas da Universidade de São Paulo (USP) em 1930. Mas a produção endógena de conhecimento novo vai penetrar muito lentamente nas universidades que se vão criando no país desde então. A construção de efetiva produção de conhecimento para benefício da sociedade e da economia brasileiras é fenômeno muito mais recente, que reflete um modelo de formação profissional de nível superior semelhante ao que Paulo Freire chama de “educação bancária”, aquela em que o professor “deposita” conhecimento na cabeça do aluno,
conhecimento que ele mesmo apenas transmite e pouco carrega de sua própria contribuição. As habilidades no campo tecnológico desenvolvidas ao longo dessa “educação bancária” destinavam-se assim mais à operação das plantas industriais importadas e à construção de infraestruturas e obras civis, para resolver problemas conhecidos.
O baixo dinamismo tecnológico da economia nacional, cujo padrão de inserção na divisão internacional de trabalho dispensava renovações “custosas” ou “desnecessárias”, demandava do ensino superior conhecimentos encapsulados em especialidades, para serem aplicados a situações repetitivas, consistentes com a excepcional estabilidade da matriz tecnológica nacional observada ao longo das décadas de vigência da ISI e da política de reserva de mercado. A pesquisa então existente restringia-se, por consequência, a poucos e desarticulados campos do conhecimento mobilizados por problemas concretos da coletividade (como os relativos à saúde) e para adaptação das tecnologias importadas às especificidades dos contextos nacional e regionais. A acumulação do conhecimento se fazia igualmente pela importação e pelo crescente aprofundamento das especializações, sacrificando-se, por consequência, a percepção integral da complexidade da realidade concreta.
Tal contexto promoveu a construção do modelo de universidade que atravessou várias gerações e ainda vigora em grande parte do país, apesar da criação das estruturas de pós-graduação e pesquisa a partir anos 1970, por meio da ação da Capes e do CNPq. Embora preocupações com ciência e tecnologia passassem a constituir objeto de políticas públicas no plano federal desde então, a pesquisa desenvolvida tais estruturas continuavam invisíveis para a larga maioria dos agentes econômicos, favorecendo a permanência do modelo, até que os desdobramentos da revolução da microeletrônica e a abertura do mercado brasileiro associada ao avanço da globalização obrigaram a estrutura produtiva a enfrentar transformações expressivas.
Tais impulsos aceleraram a dinâmica da produção de conhecimento, exigindo perfis profissionais significativamente diferentes do padrão anteriormente dominante, exigindo mudanças na forma e no conteúdo da formação profissional universitária, com importância central atribuída agora a competências de aprendizagem e pesquisa, inexpressivas no modelo tradicional.